sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

O cofre do Dr. Rui e a "punheta ideológica"

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

O Brasil precisa conhecer a sua história. Precisamos refletir sobre os anos de ditadura. Os anos dos atos institucionais.
O livro de Tom Cardoso “O cofre do Dr. Rui” narra de forma romanceada uma das maiores expropriações da luta armada nos anos de chumbo.
No dia 18 de julho de 1969 onze guerrilheiros da Var-Palmares assaltaram um casarão onde constava parte da fortuna do ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros. O livro trata com fidelidade os fatos históricos. Nos coloca dentro da guerrilha e nos transporta para o passado com uma leitura que flui com velocidade. Rápida como a ação dos guerrilheiros.
Nesse passeio pelos anos de exceção podemos perceber todos os traumas, tramas e traições vividos pelos revolucionários e repressores. Sonhadores e idealistas.
Logo nas primeiras páginas percebemos que o machismo também estava nas hostes da luta armada. Diante de uma companheira que estava ávida por aulas de tiro, ou por participar de um ato guerrilheiro, o ex-sargento José Araujo Nóbrega perguntava “O que uma mulher faz se menstruar no meio de uma ação de guerrilha?”.
Nas visões de luta havia os “foquistas” e os “masssistas”. Os foquistas queriam logo pegar em armas tanto no campo como nas cidades. Os massistas acreditavam num processo mais lento, greves, ações de guerrilha e manifestação de massa. Assim, a VPR – Vanguarda Popular Revolucionária – rejeitava a “punheta ideológica” dos massistas – bando de “bunda-moles” – como diziam.
E foi no planejamento que Lamarca batizou o assalto de “Grande Ação”. O resultado da grande ação foi a quantia de 2 milhões e 598 mil dólares. Em valores atuais equivaleria a 15 milhões de dólares. Mas é a partilha que vai degringolar ou acentuar as desavenças no âmbito da luta ramada. Em contraponto ao roubo do cofre os repressores escancaram a repressão em busca dos guerrilheiros e do dinheiro do cofre. No lado dos guerrilheiros a “briga” para a partilha dos dólares. No final do livro temos uma cronologia dos fatos de 1961 a 1985. E o destino dos personagens.
Gustavo Schiller o personagem que avisou os revolucionários sobre a existência do cofre resume numa frase emblemática o saldo da luta armada no Brasil. Em 1985 desiludido, cético, não acreditava no movimento das Diretas-Já. Com a posse de José Sarney repetia sempre a mesma frase: “Foi para isso que eu lutei?” Gustavo jamais se recuperou dos anos de tortura. Cometeu suicídio em setembro de 1985.
O livro vale a leitura. A história contada por personagens vivos. Uns até vivos demais.
Eu só não entendi a foto da Wanda na capa. A participação de Wanda foi, apenas, em se passar por estrangeira para trocar os dólares na casa de câmbio do Copacabana Palace. Mas eu acho que entendo, a foto de Wanda dá uma ajudinha nas vendas. Afinal, Wanda nada mais é que o codinome que Dilma Rousseff usava na guerrilha. Esse pequeno detalhe não desmerece, nem um pouquinho, o livro.
Por que Dr. Rui? Porque era assim que Adhemar de Barros chamava a sua amante.
Por que eu agreguei o “punheta ideológica” no título? Ora, para chamar atenção para a leitura e porque gostei do termo. Se eu vivesse naqueles tempos, estaria ao lado dos “punheteiros”.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

E se a vaca voltar do brejo

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

A vaca foi para o brejo. Essa é a premissa para ilustrar uma desilusão. Uma perda. Ou simplesmente expressar espanto diante de um infortúnio.
Por vezes a desilusão é muito intensa e o vivente sente-se compelido em acompanhar a vaca na sua trajetória.
A vaca foi para o brejo quando Messi tocou por cima do goleiro do Santos e abriu a enxurrada de gols. Também foi para o brejo quando kidiaba dançou aquela máscula dancinha comemorando o gol do Mazembe. Para os que se autoproclamam “imortais” e fazem uma suspeita avalanche em cada gol, cabe saber se segunda divisão está localizada no brejo ou nas cercanias. Mas isso é assunto para os especialistas. E, assim, no futebol a vaca vai para o brejo para uns e ao paraíso para outros. Nesse caso paraíso e brejo fazem uma disputa muito animal.
A política é um dos setores que mais contribui para o brejo. O lodaçal da política é muito concorrido. Haja brejo para tanta vaca! Manadas de vacas é a síntese dessa trilha do brejo.
Nas eleições presidenciais de 2010 após aquela alaúza toda por uma simples bolinha de papel a vaca mugiu para o Serra. E quando o candidato tentou um tiro de laço para trazê-la de volta, era tarde demais. O animal já estava fechando a cancela do brejo.
Acabou no brejo quando o ministro falou “nem a bala” e ficou no atoleiro quando disse “eu te amo, presidente”. Nesse instante todos já sabiam qual o destino da vaca do ministro. Sabemos que a batata assa momentos antes de a vaca tomar o rumo do brejo, no caso do ministro, não chegou sequer ficar dourada. Nesse caso a vaca da opinião pública estava em verdejantes pastagens.
Outro indício de vaca e brejo nos ministérios é quando o ministro fala: eu posso explicar. No máximo a batata doura antes de a vaca tomar o rumo do brejo. Vai para o brejo ruminado por mais uma queda.
No atual momento do Brasil são tantas a situações que o brejo deve estar com uma manada de vacas. Logo teremos que construir brejos sustentáveis para abrigar tamanha quantidade de gado vacum.
Uma questão a ser verificada é se a vaca voltar do brejo.
Seria o caminho da vaca um caminho sem volta? Penso que não. A vaca poderá voltar das mais variadas maneiras. Fazendo embaixadinhas com novas vitórias do Internacional em um próximo mundial FIFA. Com um cabelo moicano se o Neymar amadurecer numa improvável decisão com o Barcelona num futuro imediato. A vaca poderá voltar do brejo em forma de justiça. Colocando corruptos e meliantes na cadeia.
No entanto, se a vaca voltar do brejo cheia de pulseiras, anéis, colares de vários tipos, brincos e com uma exagerada maquiagem, ela será uma vaca-perua recém chegada e senhora de si. E se a vaca expuser um diploma de doutorado, temos que redobrar os cuidados. Tranquem as portas das universidades, pois ela poderá acabar em uma banca de avaliação. Ou pior, dando aulas na instituição.
Enfim, um dado é certo, quando uma vaca vai para o brejo outra encontra um imenso pastiçal.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Um pêssego

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

”Na outra margem alguém me espera com um pêssego e um país”
Os versos de Mario Benedetti no poema “A ponte” nos dão a dimensão do momento histórico e político em que vivemos. Estamos atravessando uma ponte, mas somos acometidos por uma inquietação: cruzá-la ou não cruzá-la, pois do outro lado da margem uma pessoa nos espera com um pêssego e um país.
Um poema reflexivo. Lendo-o, viajamos pelo imaginário complexo do que seja a espera de um cidadão com uma fruta com toda a singeleza que encerra e uma nação com todas as suas idiossincrasias.
A mensagem parece simples. E é. Mas, dialeticamente, também é complexa.
Talvez porque ao chegarmos na margem, após vencermos o medo da travessia, nos deparamos com um pêssego e, de quebra, um país.
O que fazer com um país e um pêssego? Não podemos escolher, a mensagem é pródiga em reflexão, justamente porque é inusitada.
Quando o povo brasileiro com coragem venceu o medo e votou na esperança e elegeu um operário presidente da República, estava caminhando por uma travessia de incertezas e não vislumbrava na outra margem um país, quiçá um pequeno e maduro pêssego.
Nós temos certeza do que queremos para um país.
O pêssego e o país. Essa é a dialética necessária. O pêssego é singelo, frágil, indefeso, simples e é possível apalpá-lo. O país é complexo, composto, gigante e para administrá-lo os desafios são grandiosos.
Esse é o maior desafio. Administrar um país como quem saboreia um suculento pêssego. É simples o que fazer com um pêssego, é complexo o que fazer com um país.
Mas nesse poema o pêssego é fundamental. Ele só é poema porque alguém está a espera com um pêssego... e um país.
Embora alguns desencantos e sonhos perdidos nós ainda percebemos uma pessoa na outra margem e vemos com nitidez um país e um pêssego. Trazemos apenas os olhos cansados, um andar falquejado e mãos trêmulas que rogam por paz e justiça e, na maioria das vezes, por um prato de comida. No entanto, nosso sorriso é largo porque somos nós que enfrentamos essa travessia em busca dessa fruta.
E, enquanto a oferenda for um pêssego e um país nós ainda podemos acreditar na utopia que nunca deixará de ser possível.
Nós perderemos a esperança quando alguém na outra margem nos espera apenas com um país. Aí, sim. Será o fim do que resta de uma utopia possível, pois não descascaremos uma fruta e não lambuzaremos nossas mãos com o seu caldo antes de comandarmos um país.


Abaixo transcrevo o poema.



A Ponte



Pra cruzá-la ou não cruzá-la

eis a ponte

na outra margem alguém me espera

com um pêssego e um país

Trago comigo oferendas desusadas

entre elas um guarda-chuva de umbigo de madeira

um livro com os pânicos em branco

e um violão que não sei abraçar

Venho com as faces da insônia

os lenços do mar e das pazes

os tímidos cartazes da dor

As liturgias do beijo e da sombra

Nunca trouxe tanta coisa

nunca vim com tão pouco

Eis a ponte para cruzá-la ou não cruzá-la

E eu vou cruzar sem prevenções

Na outra margem alguém me espera

com um pêssego e um país.



(Mário Benedetti)

História do PT

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

A espera foi longa – dois meses – pela chegada do livro “História do PT” de Lincoln Secco, encomendado na Cesma. Até hoje não entendi o motivo da demora, penso que foi distribuição. Mas isso, agora, não vem ao caso.
Confesso que num primeiro momento após ter lido algumas resenhas sobre o livro julguei tratar-se de loas, loas e mais loas ao partido. Mas não foi o que li.
Para quem gosta de política, acompanhou atentamente a redemocratização do Brasil ou votou em Lula em alguma eleição a leitura é obrigatória. Para quem ama o partido pode ser indigesta e para quem odeia, esclarecedora. Podemos pinçar epopeias como também falcatruas. Mas um livro fundamental para nossa compreensão política. Pois, um partido é formado por pessoas e pessoas erram e acertam. E o PT nunca teve imune a esses desatinos.
A temática é atraente e o historiador sabe contar a história. Secco faz um relato honesto da trajetória do PT nessas três décadas. Nos mais variados acertos, sonhos e utopia, como também, nos desencontros e contradições. A análise de Secco é assentada na razão – vamos dizer fria – da história.
Quando entendemos as origens do PT poderemos compreender o atual estágio porque passa o partido. Fica identificada a evolução da composição interna das tendências, as disputas pelo poder dentro da agremiação e os embates ideológicos nos congressos e encontros e atualmente a disputa por espaços nas máquinas dos governos. Um dado é óbvio: O PT não é mais o mesmo da sua fundação.
Sabemos que o PT foi fundado por três seguimentos: Igreja, grupos da luta armada e sindicalistas. Mas o autor desdobra esse tripé. Então, ficamos com seis fontes no nascedouro do partido: Sindicalismo, igreja, políticos estabelecidos no MDB, intelectuais, militantes de organizações trotskistas e remanescentes da luta armada. Olhando-se dessa maneira podemos ver a complexidade que é o PT no campo da ideologia. O partido no seu nascedouro era um turbilhão ideológico. Ao conquistar os governos e precisando administrar, essa teia fica arrefecida nas engrenagens das administrações. Mas pulsante no interior do partido.
Algo, para mim, foi novidade ou havia esquecido. Os debates sobre políticas de aliança na década de noventa consta que alguns deputados queriam uma aliança orgânica com o PSDB, dentre eles, o dep. Eduardo Jorge PT-SP defendia essa ideia. Diante dessa frase meu avô diria: Ala pucha!!
A segunda derrota eleitoral a presidência houve uma verdadeira guerra verbal. E um grupo de deputados – um deles o Genoino – tinha o apoio da imprensa para fustigar o PT. Afinal, a história também nos surpreende. E alguns porquês a gente vem a entender muito tempo depois.
Outro dado que passou despercebido pelo militante comum foi que um dirigente do partido ganhou uma grana vendendo o mapa das tendências para consultoria empresarial. E isso torna-se reflexivo quando olhamos para o nascedouro do PT. Ao longo do tempo o partido vai perdendo suas mais caras convicções. Se lá no começo “O PT afirma seu compromisso com a democracia plena exercida diretamente pelas massas, pois não há socialismo sem democracia e nem democracia sem socialismo”. Pg 101. O capitulo sobre a “Carta ao Povo Brasileiro” é aberto com uma frase de Eric Hobsbawm “as oposições não conseguem vencer apenas por mérito próprio. No geral, é o fracasso dos governos que garante a vitoria”. Emir Sader afirma “quando a esquerda chegou ao governo central no Brasil ela já havia perdido a batalha das ideias.”
Atualmente, para Hobsbawm o PT pode ser considerado o último exemplo de um partido social-democrata de massas. Para Jacob Gorender o PT assumiu o comportamento moderado de um partido social-democrata.
Com todas as contradições acertos e erros o PT foi fundamental para a democracia brasileira. Queiramos ou não, o PT faz parte da história recente do Brasil e detém uma contribuição significativa para o aprimoramento dessa democracia. Lincoln Secco nos conta a história do PT, mas, indiretamente, conta a história do Brasil e da esperança de um povo num partido de massa e num líder operário.
No final do livro temos uma interessante cronologia de 1978 a 2011. Um glossário onde veremos a definição para “Capa Preta”; “Duas camisas”; “Tese-guia”; “Trotskistas”; “Xiitas”; “Questão de ordem” e outros tantos termos da vida partidária. Também temos um quadro com a evolução das tendências. Assim, os consultores empresariais não precisam pagar para ter acesso a elas.
“História do PT” um livro para ser lido por todos aqueles que gostam e odeiam a política. Eu li – e recomendo – porque gosto.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Glândulas coxais e o cupreto de Índio

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

O Colégio Estadual Manoel Ribas nos reserva doces lembranças dos tempos de estudante secundarista. Algumas peripécias enquanto jovens nós guardamos em um cantinho especial de nossas saudades.

Eu cursei as últimas séries do ensino fundamental e o ensino médio no Maneco. Foi naquele amplo pátio que cruzamos nossos primeiros olhares e despertamos as primeiras paixões juvenis. E foi através desses olhares desencontrados que uma garota de olhos e cabelos castanhos ocupou boa parte dos meus pensamentos e um largo latifúndio no meu improdutivo coração.

Embora tenha sido um dedicado desportista eu não tinha a mínima aptidão para o vôlei e para o handebol. Não tinha altura suficiente para o basquete e era pouco criativo no futebol. Hoje, agradeço ao divino por não ter sido iludido com meus parcos talentos com a bola. Em química era como no futebol. Dava para o gasto, mas jamais seria um Linus Paulling. Nos estudos eu era fera em matemática e péssimo em português. Gostava de história e literatura e odiava inglês. Até hoje tropeço no “How are you?”.

O nosso ciclo juvenil encerrava com o fantasma do vestibular. Os cursinhos eram peritos em elaborar estratégias com a finalidade de memorização. Os conteúdos eram transformados e facilitavam o aprendizado ou a “decoreba”, como se dizia outrora. E, em seis meses o aluno estava apto para enfrentar o dito “fantasma”. Havia um locutor de rádio que dizia “veeeeeeeeeeeesssstibular” e o nosso coração saia pela boca.

Tínhamos ciência que o ano que antecedia ao vestibular mudaria o rumo de nossas vidas. E por isso estudamos muito, algumas dicas ainda permanecem em nossas mentes e jamais esqueceremos. Porque foram marcantes. Antigamente fazia-se cursinho no último ano do segundo grau. Os menos favorecidos, no segundo semestre e os ainda menos favorecidos, que era o meu caso, apenas o intensivo de dezembro. Não havia outro jeito, tínhamos que viver debruçados nas apostilas, que naqueles tempos chamávamos de polígrafos. Hoje, com essa nova modalidade de ingresso ao ensino superior os pais têm que se preparar para desembolsar três anos de cursinho e mais o curso pré-vestibular do último ano e o intensivo, lógico.

Voltando às dicas, a tabela periódica era pródiga em siglas e frases que facilitavam a memorização. “H LiNaK Roubou o Cézio do Frâncio”. Incrível, não? Ou então. “BeBa Magnésio Senhor CaRa”. Nossa!!

As três Leis de Newton eram obrigatórias. A que eu mais gostava era a Lei da Inércia, se não me engano, a primeira Lei de Newton. Era utilizada como desculpa para não fazer os exercícios em sala de aula. Ou seja, um corpo em repouso. E, estava praticando a primeira Lei de Newton. Aí a “profe” que naquela época era “fessora”, me mandava pelo MRU em direção a sala da Direção.

O binômio de Newton era algo absurdo. Deste tamanho. Esse eu não me lembro. A biologia era um horror, como alguém guardaria aquela montanha de nomes, todos estranhos e, na maioria das vezes, em latim. Alguém se lembra do que é um mitocôndrio? Monocotiledônea? Platelmintos? Gimnosperma não é um potente espermatozoide.

As minhas melhores notas sempre foram em trigonometria. O seno de um ângulo era o cateto oposto pela hipotenusa – que eu sempre achei que fosse alguma coisa ligada ao hipismo. A tangente era o cateto oposto pelo adjacente. Será que ainda é?

Bonita mesmo era a fórmula de Báskara. “Sobre dois a”, era um fecho fenomenal. Era um poema cubista. Você recitava um monte de letras e raiz no numerador e fechava o denominador com o “sobre dois a”.

Hoje, percebo que o Teorema de Pitágoras tem uma plasticidade de causar inveja a uma escultura de Auguste Rodin. O quadrado da hipotenusa (ela de novo, a Deusa do Hipódromo) é igual a soma dos quadrados dos catetos. É como a cerveja que desce redondo. E eu diria que essa Deusa têm belos e fartos catetos.

Em português eu tinha uma contrariedade com aquelas malditas orações. Eu nunca soube e até hoje não sei identificá-las. Eu era incomodado com as orações subordinadas. A injustiça sempre me causou indignação. Então, antes de saber qual era a oração eu ficava ansioso para saber o porquê de toda aquela subordinação. Eu queria orações livres. Orações libertas e adversativas. As orações subordinadas eram simplesmente inaceitáveis. Acho que o golpe de 64 tem alguma coisa a ver com as orações subordinadas.

Até admitia que uma oração conformativa pudesse ser subordinada, mas não admitia que uma oração adversativa fosse coordenada, eu achava inconcebível. Adversidade não se coaduna com coordenação. Era o que eu pensava. E talvez por isso eu nunca aprendi. Apenas identificava as que começavam com “mas”. Justamente as coordenadas adversativas.

Eu não sei se, por um complexo malresolvido ou um desvio pseudoerótico de minha conduta, mas dois momentos daquelas memoráveis dicas eu jamais esqueci, aliás, não eram dicas, eram nomes que lembravam, de certa maneira, uma sensibilidade supostamente sensual e escandalosamente pornográfica. São as “glândulas coxais” e o “cupreto de Índio”.

Parece brincadeira, mas as glândulas coxais nós encontramos nas aranhas que é um aracnídeo e o cupreto de Índio é uma substância química composta pelos elementos cobre e índio, cuja fórmula eu não me lembro.

Por isso, quando vemos as Sheilas dançando lembramos dos aracnídeos. Elas, sim, possuem as verdadeiras glândulas coxais.

Já os Caingangues... os Pataxós... deixa pra lá.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Bem-vindos ao inferno

Como a literatura é divina, infernal e bonita! Nossos pensamentos vagueiam em contradições, numa dialética bicolor. A literatura é grandiosa, vasta e infinita. E, hoje, cada vez mais instantânea e virtual.
Esse livro de crônicas – cujo título homenageia a Galera no Beira-Rio , “Bem-vindos ao inferno” – tem o intuito de transformar nossa paixão pelo Internacional em uma leitura prazerosa.
Os deuses fazem literatura. Essa é a premissa. Os deuses... e os diabos. O céu e o inferno.
Os que escrevem a verdade. Escrevem certa verdade, sendo deuses ou diabos. Estando no céu ou no inferno. São os paradigmas de quem tem o vermelho da paixão. Assim, como os deuses escrevem? Certo e com a razão, talvez até escrevam em azul. Os diabos escrevem errado e com a emoção, talvez escrevam em vermelho.
A literatura tem os temperos do céu e do inferno. Os deuses temperam com ervas aromáticas e os diabos, com pimentão. O vermelho é “caliente”, é latino-americano. O azul é polar, é Antártida. O vermelho e o azul, essa é a bipolarização. Seu coração é livre para escolher. Mas, como resolver essa contradição, se meu coração é vermelho e a liberdade é azul?
O paraíso é azul e o inferno é vermelho? Por que é sempre assim? Quem inventou essa convenção?
Graças à literatura, nós vamos ao céu na companhia dos anjos, vamos ao inferno com os demônios. Retrucamos marmanjos que escrevem pandemônios. Vamos à praça, ao rio e ao mercado. À floresta, às profundezas dos oceanos e ao topo do mundo. A literatura nos leva aos confins do universo. Inclusive, por conta da literatura, somos “Bem-vindos ao inferno”.
Escrevemos, todos, deuses ou diabos, e queremos exprimir nossas opiniões, anseios monocromáticos e ideias vãs.
Escrevemos um texto, convictos de que são os deuses que escrevem. Mas o que é a convicção senão a maior inimiga da verdade? Já dizia Nietzsche. Então, contestamos... porque o vermelho é que nos emociona. Somos deuses ou diabos quando exaltamos nossa paixão colorada. Não nos importa se o vermelho é a cor do inferno, pois são os homens que denominam o que é deus e o que é diabo. A cor do céu e a cor do inferno. Então, simplesmente, escrevemos. E optamos pelo lugar onde queremos ser acolhidos.
Nesse “Bem-vindos ao inferno”, não desejamos o fogo ou as trevas para os leitores, apenas externamos nossa exacerbada paixão pelo clube do povo do sul do Brasil.
Sejam “Bem-vindos ao inferno!”.

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
Santa Maria da Boca do Monte, 17 de dezembro de 2011

sábado, 19 de novembro de 2011

A pedra do doutor Getulio


Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo

O feriado de 15 de novembro, uma terça-feira meio doida, as minhas opções variavam entre o Facebook, Twitter e um livro. Optei pelo livro e fui para o balanço de uma rede.
Adquiri “A Pedra do doutor Getulio” na feira do livro de Porto Alegre. O motivo foi bem singelo: fui atraído pelo desenho de um cadáver no chão. Em capa de livros policiais – volta e meia – é utilizado como ilustração o desenho de como foi encontrado o corpo assassinado. E sempre uma das pernas está encolhida...
Um desenho desses junto a um monumento histórico às margens do rio Uruguai é mais instigante. Não tive dúvidas, comprei.
O mais interessante nessa narrativa é que o investigador Manuel Ramos é assassinado nas primeiras 18 linhas do livro. Mas a história está recém começando.
Manuel Ramos é o delegado sem a menor vocação para investigador. Uma espécie de anti-herói da história que tinha como sonho ser cantor de tango em Buenos Aires.
A trama se passa entre 1942 e 1951. Inauguração da ponte internacional em Uruguaiana e Paso de Los Libres. No dia primeiro de janeiro de 1942 um barqueiro encontra um cadáver junto ao monumento. A partir desse estranho assassinato entram na história personagens como Hitler, Getulio Vargas e Osvaldo Aranha, tendo como pano de fundo a Uruguaiana da década de 40.
Termina, como ficamos sabendo na primeira página do livro, com o assassinato do investigador Manuel Ramos em Buenos Aires em 1951.
Um único senão, a capa eu achei pouco criativa.
Li a primeira página e só larguei quando li a última. Certamente, o próximo livro de Mauro Maciel terá a minha leitura. Uma estreia com fôlego nessa narrativa.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Síndrome de Carol

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter/athosronaldo

A Feira do Livro de Porto Alegre é um evento cultural de visitação obrigatória.
Todos os gaúchos deveriam ter uma espécie de Bolsa-Leitura para desfrutar de um dia na companhia dos livros e escritores. Então, dediquei um sábado para vasculhar os estandes a procura de boas leituras e entretenimento.
Um sábado é pouco, mas para quem precisa enfrentar 600 Km de estrada já é mais do que suficiente.
Eu poderia comentar sobre as obras adquiridas, uma boa e pesada dúzia de livros. Ou abordar sobre o agradável bate-papo com um amigo escritor. Mas, das minhas aquisições, vou destacar somente uma que vale como dica de leitura, como presente de fim de ano ou para ficar admirando diante da estante. “Contos Gauchescos e Lendas do Sul” de João Simões Lopes Neto. Uma edição luxuosa do Instituto Estadual do Livro. E um preço popular: R$ 19,99.
Cheguei por volta das onze horas numa Porto Alegre escaldante. Usei o Trensurb da rodoviária ao mercado e, ali mesmo, almocei. Um restaurante de primeira. Talheres, pratos, toalhas e cardápio impecáveis. Não pedi um vinho, pois teria que deixar um dos olhos da cara. Tomei um suco de laranja. Saciado, fiquei imaginado outras hipóteses.
Se eu tivesse ido a uma lancheria de quinta, pedido um pastel de vento e uma fanta uva. Saborearia o lanche diante de uma mesa de fórmica vermelha com partes lascadas e cadeiras de ferro enferrujadas. A garçonete poderia ser uma oleosa e mal-educada jovem, com um pano de prato sobre o ombro e com desodorante vencido. Imaginei que eu poderia zanzar pela feira e não ter achado nada que prestasse naquelas porcarias de saldos.
Um tumulto pelos corredores, roubaram minha carteira, perdi meu celular e meu cartão de crédito foi clonado. Tomei um banho de suor, caí no conto do bilhete premiado e comprei um relógio do Paraguai. Então, conclui que se eu tivesse tomado uma taça de vinho eu teria sido mais criativo nas minhas divagações. Cair no conto do bilhete premiado num sábado! Nem na ficção.
Como sou vacinado contra a “Síndrome de Carol”, eu devo dizer que minha tarde de feira foi exitosa. Gostei das minhas aquisições, principalmente dos autores gaúchos. Adorei o tumulto da feira e achei bons exemplares nos saldos.
Havia anoitecido quando peguei novamente o Trensurb do mercado até a rodoviária. Um senhor, meio perdido, perguntou onde era a Estação São Pedro, pois iria visitar o irmão que estava hospitalizado e não conhecia muito bem a capital. Era de Santa Maria.
– O senhor é de Santa Maria? Estou voltando agora às nove e meia – falei.
A vida é cheia de surpresas e contradições. Uns vem a Porto Alegre para desfrutar a feira do livro e extrapolar o limite do cartão. Outros para visitar o irmão que sofreu um acidente de carro, contando os trocados.
– Coincidência... – falou com um olhar sonhador.
Desci na rodoviária e, certamente, não verei mais o conterrâneo.
Assim, encerrei meu dia de feira do livro de Porto Alegre com alguns livros na bagagem.
A propósito: declaro para os devidos fins que o texto acima tem a pretensão de ser literário.
Ah! De lambuja ganhei um autógrafo e um beijo da ministra.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

7.000.000.000º

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo

No último dia 31 de outubro – que é consagrado às bruxas, mas que o Saci Pererê e o Drummond pegam uma carona – a população da Terra atingiu a marca dos 7.000.000.000 de habitantes.
Em pouco mais de uma década o mundo cresceu um bilhão de pessoas, pois em 27 de janeiro de 1998 completamos meros seis bilhõezinhos de seres. Então, podemos concluir que na Copa de 2022, no Qatar, seremos oito bilhões de torcedores.
Quem será o sétimo bilionésimo vivente do planeta? Segundo dados dos organismos internacionais que espalham gráficos e tabelas estatísticas, o guri nasceu na África. Não vou colocar em dúvida, alguém deve ter feitos profundos estudos para concluir que o sétimo bilionésimo terráqueo nasceu na madrugada do dia do ferroviário em algum lugar do continente africano.
No entanto, segundo os meus parcimoniosos estudos – demográficos e “teográficos”, bem entendido? –, o 6.999.999.999º habitante nasceu na hora da sesta em Restinga Seca ou na grande Formigueiro. Um dado importante é que esse taura tem 80% de chances de ser colorado e 20% de chances de ser do PT, mas são dados imprecisos, com margem de erro de quatro pontos percentuais para mais ou para menos.
Não tenho bases cientificas para saber onde nasceu o sétimo bilionésimo primeiro humano (esse número é mais fácil de escrever). Corre um boato que foi ali pras bandas do Boqueirão. Podemos afirmar com 99,99% de acerto que o guasca é Missioneiro, não, necessariamente, galo.
Está rodando um email na internet que calcula qual a sua colocação entre os habitantes desse mundão de Deus. Digitei minha data de nascimento e verifiquei que eu fui 3.057.099.650º e em toda a história da humanidade eu fui o 76.725.447.578º. Com esses números fiz uns desdobramentos para Mega-Sena, mas tudo foi em vão.
Somos sete bilhões de humanos e uma preocupação salta aos olhos ante aos olhares de uma legião de famintos, maltrapilhos, excluídos, amordaçados pela opressão, perseguidos políticos, ditadores e um sem fim de agruras proporcionadas pela má distribuição de renda. O fato é que sete bilhões de terráqueos lutam por uma vida melhor em um mundo mais solidário.
Se os donos do mundo que, volta e meia, se reúnem em torno de um G. Se o G4, G8, G20 ou qualquer G reunido, resolverem um pequeno percentual da miséria dos homens e mulheres que suplicam por um prato de comida, podemos crer que os bilhões das próximas décadas terão uma vida melhor.
Enfim, se os humanos irão viver num mundo mais igualitário é uma aposta. Uma aposta que só será perdida quando os oito, nove ou dez bilhões que virão não tiverem mais um horizonte utópico. Aí pouco importa se a cidade natal do décimo bilionésimo humano for Restinga Seca, Formigueiro ou Paris. Pois, o que seria da vida na Terra se nos tirassem a possibilidade de sonhar?

sábado, 22 de outubro de 2011

Raposa Felpuda e o Tubarão de Charuto

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo

No twitter o Jose de Abreu colocou a seguinte frase “2 meses atrás raposa felpuda do PT conversou com o ítalo-argentino Civita, dono da Veja. Ouviu dele: não tem arrego, vou derrubar a Dilma!”.
Eu fico alarmado quando um tubarão de charuto da nossa imprensa conservadora afirma que quer derrubar um governo. É alarmante porque esse indivíduo se coloca acima dos poderes constituídos, acima do bem e do mal. Que poder esse pseudoargentino, ou pseudoitaliano, tem para afirmar convicto “vou derrubar a Dilma”? Que carta ele tem na manga? Ou melhor, quem ele pensa que é?
Ah! É um governo corrupto? Como dizia meu pai “mata a cobra e mostra o pau” ou a cobra morta.
Construímos a democracia permanentemente, bem como, também diuturnamente construímos os partidos. Mas parece que algumas pessoas – muitas delas influentes – ainda não se acostumaram com a ordem democrática. Se um graúdo afirma “não tem arrego, vou derrubar a Dilma” ele deveria ser interpelado judicialmente para explicar melhor esse intuito. Ele só pode derrubar a Dilma se candidatando a presidente e ganhar no voto. É assim que eu imagino. Mas acho que o cidadão em questão precisa de aulas de democracia, ou, num programa da televisão, calçar as sandálias da humildade.
Nesse vai e vem da imprensa e da política, sempre aparece um bicho para ilustrar o nosso imaginário. Em 89 o velho Brizola resolveu engolir um “Sapo barbudo” e transferiu os votos do PDT para o Lula naquele segundo turno. E na política os bichos sempre estiveram em evidencia: Delfim, tucano, ratazana, lula, falcão, pomba, peixe e um zoológico inteiro.
E agora em pleno fogo cruzado de informações surge uma raposa felpuda do PT para contatar com esse tubarão, com esse peixe grande da grande imprensa. E isso também nos deixa estupidificado.
A Dilma conquistou o cargo de presidente no voto – respeitando os trâmites legais – e não vai ser um deslumbrado com arroubos de ditador que vai depô-la. Afinal de contas o poder emana do polvo, opa, do povo.
Nesses tempos de jornalismo investigativo e reportagens especulativas a corda sempre rebenta no bicho mais fraco. E, no final do imbróglio, quando a porca troce o rabo ou a vaca vai para o brejo a contrapartida vem do pato. E nesse caso o pato somos nós, os peixes pequenos.

domingo, 2 de outubro de 2011

3,1415926535897932384626433832795028841971693993751

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter/athosronaldo

Você pode não ter se dado conta, mas o número aí em cima é o famoso π. Tomamos conhecimento do π quando aprendemos a calcular a área de um circulo A = Pi.r2 que para um pré-adolescente não deixa de ser uma aventura. Quanta emoção ao sabermos o comprimento de uma circunferência. C= 2.Pi.r
O π passou a fazer parte de nossas vidas. Se formos calcular o volume de uma esfera usamos a fórmula V = 4/3.Pi.r3 e se quisermos calcular a área A = Pi.r2. Dada a sua irracionalidade nós nunca saberemos o valor exato do pi.
Para calcular o valor do π é fácil, basta usarmos a seguinte fórmula... deixa quieto:
Se calcularmos o π com 5000 casas decimais, ou seja, apenas escrevendo o número π eu teria uma crônica com 5000 caracteres sem espaços, mas eu não farei uma deselegância dessas. O π já foi calculado com milhões de casas decimais. Por isso o π – embora seja irracional – é muito importante em nossas vidas.
Mas o fato é que entrou nessa história um tal de τ (tau). E dizem os sábios que o τ é mais preciso que o π. O que eu achei um desaforo. A minha vida toda foi estruturada em π e agora vem um talzinho para desbancar o nosso querido 3,14159... não é bem assim.
Os gênios acreditam que o π é impreciso e querem substituí-lo pelo τ. E já consideram o τ uma constante sagrada para a matemática.
O matemático americano Bob Palais acredita que o valor do π está errado e que o correto do número π é o seu dobro, ou seja, 2π. Justifica o Bob que o π é a razão entre o comprimento e o diâmetro de uma circunferência. E que o τ – o dobro de π – é a razão entre o comprimento e o raio, que o matemático acha mais importante que o diâmetro. Por que raios o Bob Palais acha que o raio é mais importante que o diâmetro?
E a turma pró-τ já inventou um dia mundial do τ comemorado em 28 de junho. Mas cabe lembrar que temos o Piday comemorado no dia 14 de março. Como desde já me coloco a favor do inoxidável π já proponho uma festividade para esse dia.
A explicação do cara nesse linque esclarece todas as nossas dúvidas sobre o τ e o π. Simples.
http://www.youtube.com/watch?v=IF1zcRoOVN0
Enfim, se o τ que é o dobro de π é mais exato, passo acreditar que 4 é mais exato que 2. 8 é mais exato que 4 e assim por diante.
Tudo bem que o τ pode ser mais exato que o π, mas o π é mais charmoso tem mais histórias para contar. O π conheceu o Arquimedes. E o τ? Uma invenção de um professor da Universidade de Utah. Um tal de Bob.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Comandante Che Guevara



- Método prático da guerrilha -
Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Che Guevara é um personagem da nossa história recente que virou mito. É um símbolo de luta contra os poderosos. Uma pessoa que acreditou em uma utopia e foi ao seu encalço. Odiado e idolatrado com a mesma veemência. Mas só pela convicção revolucionária merece ser admirado, independente de cores ideológicas.
Che foi um sonhador. É de Guevara a celebre frase “Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros”. Mas a que ficou célebre foi “Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás.”
Alberto Korda imortalizou a imagem de Che na foto denominada “Guerrilheiro heroico”, tirada em 1960. Che foi cantado em prosa e verso. A música “Hasta siempre comandante” na voz de Nathalie Cardone é emocionante. Um ícone musical em homenagem ao comandante. Che é o principal símbolo da esquerda revolucionaria e sonhadora. Mas também é uma marca comercial em chaveiros, camisetas, cerveja e até pelos biquínis de algumas beldades já andou.
Jon Lee Anderson esmiuçou a vida do comandante nas 920 páginas do livro “Che Guevara uma biografia”.
O assunto Che é inesgotável. Então, chegou nas livrarias o livro “Método prático de guerrilha” de Marcelo Ferroni. Uma obra de ficção sobre os últimos momentos de Guevara na campanha da Bolívia. Um romance baseado em fatos reais. Nesse livro percebemos que Che era um leitor no silêncio da mata. “Guevara adormeceu no chão, cabeça apoiada no braço, o livro aberto com a capa para cima. A Cartuxa de Parma”, página 86. Naquele momento Che lia Stendhal.
Na página 192 a indicação de outras leituras do comandante. “Perderam onze mochilas e Che deixou para trás um livro de Trótski e outro de Régis Debray.”
Também descobrimos que um brasileiro de nome João Batista participou da guerrilha e também sucumbiu na Bolívia.
Marcelo faz uma narrativa envolvente, a leitura flui como os sonhos revolucionários do comandante, mas o Che da ficção é mais humano, vem com suas incertezas e destemperos. Passa “a lo largo” da narração o Che Guevara mito e é por isso que a leitura e boa. Enxergamos o homem revolucionário que foi capturado com meia dúzia de comandados e maltrapilho. Naquele 08 de outubro de 1967 a história chega ao fim.
Talvez o livro merecesse um título mais romântico, mais ficção, algo utópico. Lendo-se apenas o título, parece um tratado técnico de guerrilha, mas não é. É uma bela narrativa de ficção.

Reflexões sindicais

– Um sindicalismo potro sem dono –
Athos Ronaldo Miralha da Cunha

O movimento sindical como um todo – e o bancário em particular – precisa ser repensado. Precisa renascer das cinzas se não quiser sucumbir em definitivo diante dos anseios e demandas dos trabalhadores.
Com a atual conjuntura e com os atuais dirigentes, não vislumbraremos conquistas relevantes para o conjunto da categoria. Hoje, há uma demanda reprimida de conquistas e manifestações. Há um anseio por reivindicações e lutas mais contundentes. E o sindicalismo não está cumprindo com essa demanda, não como cumpria há uma década.
Um exemplo que ficou claro recentemente (de uma demanda reprimida da sociedade) e que serve como alerta aos movimentos sociais, foram as manifestações ocorridas nas capitais do Brasil por ocasião das comemorações do dia da Independência.
Um movimento organizado via internet. Uma ferramenta que mobiliza milhões em tempo recorde e que está alguns passos ou anos a frente dos movimentos sociais. Uma maneira arrebatadora de arregimentação. Um movimento que se originou à margem das centrais, partidos e ONGs. Hoje, qualquer grupo de discussão na internet, ou nas comunidades de relacionamentos na web tem mais informação que uma assembleia de mobilização com meia dúzia de gatos pingados. Assim, percebemos que o movimento sindical continua com a mesma organização de 50 anos atrás.
Essa reflexão deve ser feita pelas categorias de trabalhadores. Nós estamos fazendo o sindicalismo arcaico. Inclusive, as formas de cooptação das atuais direções remontam a Era Vargas, com mais intensidade e adesismo, que nos deixam alarmados e preocupados com o futuro.
Então, para repensar o sindicalismo, a discussão, invariavelmente, passará por uma profunda democratização das entidades e instituições de representação. O modelo como está, está com o prazo vencido. Nossos representantes não representam a base da categoria e, sim, as tendências do movimento. E essas tendências do movimento se engalfinham pelos mais ridículos motivos. Desde a formação de uma simples mesa numa assembleia de dez pessoas a um cargo de suplente de suplente no conselho fiscal do sindicato dos bancários de “Cacimbinhas”. Nosso horizonte de lutas está rebaixado. Falta utopia e uma bandeira para desfraldar. Falta uma “gana missioneira”.
Nossos representantes são eleitos em congressos de dirigentes sindicais – sim, a esmagadora maioria dos participantes dos congressos são dirigentes sindicais – muitos deles há dez, quinze ou vinte anos a frente das entidades. Perpetuados nas direções que dizem sim, sim e sim aos “capas-pretas” do movimento que por sua vez dizem sim, sim, e sim aos governos. Nossas lideranças estão carcomidas e acomodadas em liberações ad eternum.

O atual sindicalismo é pautado pelas eleições sindicais. Têm sindicalistas que passa o tempo viajando para ajudar nessas eleições, pois a disputa é por espaços das correntes, cada vez mais intestinas e truculentas.
É comum vermos discursos inflamados nas assembleias – de companheiro A – baixando o cassete nas políticas da corrente do companheiro B. Mas já na próxima eleição o companheiro A apoia a chapa em que está o companheiro B. Isso é um reflexo da política no Brasil, não existe mais ideologia, o que vale são cargos e “poder” a qualquer preço.

Como são as eleições no movimento sindical e associativo?
Para fazer um comparativo descreverei as eleições nas Apcefs – Associação do Pessoal da Caixa Econômica Federal – e dos sindicatos de bancários.
As eleições das Apcefs são mais democráticas. Nós elegemos, por exemplo, por voto direto tanto para as associações estaduais, como também para a FENAE – Federação Nacional das Associações. Há um edital e as chapas se inscrevem e disputam o pleito expondo suas propostas e explicitando suas diferenças.
Nas eleições dos sindicatos de bancários a democracia tem um certo limite. As eleições para o sindicato são diretas. A categoria vota diretamente nas figurinhas que estão concorrendo. No entanto, quando temos que eleger os membros da Fetrafi-RS – Federação dos Bancários do RS – como também para a Contraf – Confederação dos Bancários – essas eleições se dão de forma indireta em um colegiado (congresso) estadual ou nacional.
Cabe salientar que esses encontros de bancários são na realidade encontros de dirigentes sindicais. A base da categoria tem pouca representação nesses encontros. Arrisco a afirmar que o percentual de delegados dirigentes sindicais beira a 90%. Assim, a base fica totalmente alijada do processo. A base da categoria não sabe quem são os diretores das federações e da confederação. Os nossos negociadores – os colegas que vão negociar a pauta do dissídio com os bancos – são indicados proporcionalmente pelas correntes. E mais uma vez a base da categoria não conhece esses “negociadores”.
E a conseqüência disso? A total falta de representatividade.
Esses colegas dirigentes estão deslocados, sem inserção e conhecimento da base. Aliás, esse desconhecimento é uma via de mão dupla. A base não conhece esses representantes e os representantes não conhecem a base.

A grande questão a ser discutida no sindicalismo – em particular o bancário – é a democratização das representações. Ou seja, eleições diretas para todos os níveis e instâncias: sindicatos, federações e confederação.
E a partir dessa discussão devemos avançar para serem eleitos de forma direta os representantes nas comissões por banco que farão as negociações especificas da categoria. No rol de processo de reformas consta a implementação de uma nova política no que diz respeito às liberações para o sindicato.
Como são as liberações hoje? Os “capas-pretas” de cada tendência se reúnem e decidem as liberações pelas facções. Decidem quem deve ser liberado e esse “liberado” fica comprometido com aquela tendência. Deus o livre se esse companheiro resolver levantar o crachá numa assembleia em desacordo com os ditames da tendência.
Houve um caso de um sindicato com pouco mais de 100 associados teve duas liberações para o Banco do Brasil. E outro sindicato com mais de 1000 associados sem um sequer. Essa é a lógica das liberações quarteadas entre as tendências.
No atual modelo qualquer desavença na direção, um companheiro pode ser “aconselhado” a voltar para o banco, pouco importando sua representatividade ou os desdobramentos financeiros e profissionais de uma volta sem um prévio acordo com os gestores. Com já ocorreu em vários casos.
Então, a questão a ser discutida nos fóruns é justamente a maneira de como devem ser escolhidos os liberados para trabalharem no sindicato. E a resposta é simples: as liberações devem ser dadas pelo número de associados. Por exemplo: um número X de liberados para cada mil associados. Independente das tendências. Independentes dos padrinhos políticos e líder máximo da organização. Assim, teremos um colega comprometido com o sindicato e com a categoria e não com uma tendência ou chefete de ocasião.

Os novos tempos requerem uma nova postura das direções sindicais. Devemos rever algumas estratégias pela mesmice de atuação anos a fio. Assembleísmo e conchavos cabem muito bem para as disputas fratricidas das direções quando não há um horizonte de lutas como ocorre na conjuntura atual. Os sindicatos foram engolidos pelos patrões, mais acentuadamente quando o patrão é o governo federal. Há anos não vemos um enfrentamento de verdade contra o patrão federal. Vemos, sim, direções subservientes e acomodadas que blindaram o governo Lula com apresentação de índices absurdamente rebaixados e continuam blindando o governo Dilma com uma reivindicação de risíveis índices.
Hoje, temos novas ferramentas de mobilização e informação. Com meia dúzia de cliques coloca-se uma informação para o país inteiro pelas redes sociais. E queiram ou não essas ferramentas fazem parte do cotidiano de todas as categorias. E mobilizam muito mais que uma assembleia esvaziada.
Enfim, o sindicalismo precisa ser repensado, caso não queira sucumbir diante dos patrões e diante de uma categoria que – na maioria das vezes – não tem a eloqüência dos “capinhas” mas que tem uma arma que é poderosa na atualidade: as redes sociais.
As redes sociais transformam uma massa de trabalhadores numa comunidade sem dono. Estamos diante de uma nova onda, uma manifestação de um neo-sindicalismo potro sem dono. Mais livre e democrático e mais participativo. “Vai potro sem dono, livre como eu”. Queiram ou não os atuais e perpétuos dirigentes.


Potro sem dono
Letra e música de Paulo Fagundes.
Interprete: José Claudio Machado.






quarta-feira, 7 de setembro de 2011

11/09/2001

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo

Há dez anos o mundo ficou dividido entre antes e depois do onze de setembro. E, hoje, penso que sempre foi assim: o mundo sempre esteve dividido entre o antes e o depois.
Naquela manhã a humanidade assistiu incrédula, cenas de fanatismo e barbárie. Naquela “Vila do Sossego” os aviões não vomitavam paraquedas, mas praticaram quedas inesquecíveis.
Muitos homens e mulheres sonharam com a revolução para mudar o mundo. No auge da Guerra-Fria combatiam-se as ditaduras e pregava-se o “paz e amor”. A vida tinha que ser vivida intensamente. A guerra do Vietnã, também motivada pela insanidade, foi um símbolo da luta pela paz na década de 70.
O mundo mudou e continuará mudando. A revolução foi feita pela informática e o mundo mudou pelo terror. Mudamos todos e das mais diversas maneiras. Há muito tempo nossas vidas estão mais apreensivas, os exércitos mais atentos, a polícia mais vigilante e o terrorismo mais audaz.
No tabuleiro chamado Terra caíram as Torres Gêmeas do World Trade Center em Nova Iorque. Há um jogo de lances calculados e interesses escusos. Houve vencedores, mas muitos são os perdedores: a paz, a vida e, até, a nossa preservação enquanto espécie.
Naqueles anos os noticiários tornaram-se mais cruéis. Contamos, aterrorizados, as vítimas nos trens de Madri, inocentes em Beslan e insensatez em Bagdá. Naquele tabuleiro com lances contraditórios a cada movimento de poderosos cavalos, intocáveis reis ou obedientes peões, inocentes perderam a vida em algum lugar do planeta. Havia um xeque-mate unilateral, porque esse jogo sempre foi desigual e sempre rebentou nos mais fracos. E de lá para cá estamos prisioneiros de nossos medos. Onde você estava na manhã do dia 11 de setembro de 2001?
Gostaria de escrever sobre meninos jogando bolinhas de gude, meninas pulando sapata e crianças em rodas de ciranda. Escrever sobre moleques jogando futebol, bolas que estilhaçam vidraças ou que sujam as roupas no varal. Ou, ainda, sobre juras de amor à sombra das corticeiras. Um casal que caminha descalço na areia de uma praia deserta ou sobre os primeiros fachos de sol na relva de uma manhã de primavera.
É impossível não ser triste. Havia algo de sólido no ar daquela manhã, um sabor ácido nos noticiários. Um cheiro de enxofre no tempero das páginas dos jornais.
No início do terceiro milênio o mundo mudou. Tornamo-nos diferentes e indiferentes. Hoje, percebo que o mundo continua mudando e que o onze de setembro parece que foi ontem. E com a estranha sensação de que um avião vai me atropelar logo ali na esquina.

domingo, 4 de setembro de 2011

O falso Cadafi no cadafalso

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo

O que está ocorrendo na Líbia merece atenção política e econômica do mundo inteiro. Os desdobramentos da queda de Gadafi repercutem no quadro ideológico da região, mas muito mais na economia por conta do petróleo.
Não é fácil para Ghaddafi se desapegar do poder, afinal, são mais de quatro décadas de ditadura. No começo dos confrontos os discursos de Kadhafi, para insuflar seus seguidores, eram emblemáticos. “Nós lutaremos, nós derrotaremos esses ratos”, uma espécie de “não me deixem só” do Oriente Médio que também não deu certo, pois corre à boca pequena – e a grande também – que o Khadaffy já caiu. A dúvida dos analistas, governos, empresários e palpiteiros em geral é saber o que será da Líbia após a Era Khadafy? A incerteza é a resposta.
Para entender esse imbróglio na Líbia sobram versões e análises. A Carta Capital trata os opositores de Qadafi como “saco de gatos que inclui monarquistas, mercenários da OTAN, ex-combatentes da Al-Qaeda, socialistas e empresários”. E chama de ingenuidade dos analistas a expressão “Primavera Árabe”. No entanto, a Isto É fala em “fortes ventos de liberdade soprados pela Primavera Árabe”. E relembra a expressão “Cachorro Louco do Oriente Médio” cunhada pelo ex-presidente dos EUA Ronald Reagan. Mas temos que dar um desconto nessa divergência pela orientação política de cada semanário. Na grafia dos nomes as duas revistas também estão em desacordo. A Carta Capital escreve Kaddafi e a Isto É Kadafi. A Folha de São Paulo escreve Gaddafi. Mas há uma unanimidade: Qaddafi subiu no telhado. A Isto É vira uma Caras ao divulgar um álbum de fotos da ex-secretária de Estado americana Condoleezza Rice com declarações de amor de Kazzafi. Quem disse que os brutos não amam?
Eu cometi um erro fragoroso ao apostar que Qadhafi cairia antes de Renato Gaúcho no Grêmio e Falcão no Internacional. Isso demonstra que não devemos misturar política com futebol, ainda mais quando envolve paixões regionais e ditaduras despencando.
Quando Qadthafi for capturado, qual Qathafi irá para o cadafalso? Conforme as mais variadas formas de escrever Quathafi, a única que não constou nas minhas pesquisas na web foi, justamente, o Qudhafi que está no título. Mas foi a forma que encontrei para deixar Khaddafi num trocadilho que desce redondo ou cai redondo. Consta que existem 112 maneiras de escrever o nome do tirano. Escolha seu Ghadafi. Eu inventei o meu: Cadafi.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O satânico Dr. Go

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo

Consta que os projetos mais propostos e aprovados nas Câmaras de Vereadores são homenagens e nomes de ruas. Entre as honrarias estão os monumentos, placas e bustos de heróis e pseudo-heróis, mas com as imagens eternizadas nos bronzes das estátuas. Mario Quintana cunhou a frase “um erro em bronze é um erro eterno” ao recusar uma homenagem numa praça. E era uma simples plaquinha de bronze.
A cidade de Rio Grande – como toda cidade que referencia seus ídolos – também justifica suas homenagens. E é um direito legítimo. Assim, por intermédio do prefeito Fábio Branco será colocada uma placa de bronze e o busto de Golbery do Couto e Silva na praça Tamandaré. General rio-grandino destacado nacionalmente num período também destacado da história recente do país.
Nas hostes militares Golbery era conhecido como Bruxo. Foi um dos mentores do golpe de 64 – o mais incauto dos mortais sabe o significado da expressão “golpe de 64” –, e foi o criador do SNI (Serviço Nacional de Informações) que tinha como principal atribuição “monitorar” quem não estava disposto a dizer amém aos ditadores, ou melhor, quem fazia oposição ao governo militar, principalmente, os mais audaciosos que teimavam em pegar nas armas ou que saiam “caminhando e cantando” pelas avenidas.
Golbery foi uma eminência mais do que parda de todos os governos ditatoriais pós 64. Encerrou a carreira como chefe da Casa Civil dos governos Geisel e Figueiredo. E deixou a cama armada para Tancredo Neves assumir a presidência. Como sabemos, a história foi mais cruel do que o Bruxo poderia imaginar. Sarney foi a ironia do destino.
Para os brasileiros que estiveram no subsolo desse período e que sofreram as atrocidades dos cárceres e da impiedade do Doi-Codi, Golbery do Couto e Silva era, apenas, o “Satânico Dr. Go”. Atuava nos bastidores do poder em uma atividade silenciosa e implacável.
Nessa praça onde será construído o busto de Golbery, também estão homenageados o Napoleão, Marques de Tamandaré e Jesus Cristo. Então, podemos afirmar que general estará em boa companhia. Protegido por terra, mar e céu.
O prefeito Fábio bem que poderia ter deixado essa página em branco no livro das honrarias de Rio Grande. Afinal de contas, Mario Quintana tinha uma certa razão com relação às placas de bronze. Mas eu entendo o prefeito Fábio, Golbery não passaria em branco por Rio Grande.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Lua de setembro

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo

Sinto saudades de um setembro, qualquer setembro ainda não vivido. Sinto remorsos do agora porque ainda estou aqui. Sinto não estar vivendo sob a lua que imaginei pra ti.
Quero sentir pingos de chuva numa noite de primavera, quero molhar meus pés na sarjeta de uma ruela de setembro, nas correntezas dos dias e nas vertentes dos crepúsculos. Quero sentar numa pinguela e contemplar a lua distante num ainda distante setembro. Sinto saudades dos trinta dias que não lembro, do setembro que esqueci por não tê-lo sofrido. Quero o mês inteiro com dias finitos para vê-los, tê-los, acariciá-los, todos os dias e noites quando setembro vier.
Não quero águas de março e nem os sóis de maio. Não quero o “carná de feverê”. Quero as luas de setembro. Sinto saudades de todos os meses de setembro. Preciso de uma lua cheia envolta em mistério, quero o uivo da loba numa lúgubre e sinistra meia-noite. Quero o pulo da gata num facho de lua nova.
Quando caminho pela relva em trilhas que nunca andei, em terras que jamais pisei, irei ao encontro de novas cascatas, das cascatas de luas do setembro que certamente virá com a primavera, quando findar o vento sul de julho.
Não quero resquícios de águas, quero torrentes de luas. Não quero panos quentes, quero tapetes voadores e encardidos de vida. Não quero pratos limpos, quero uma louça a ser lavada nas chuvaradas de setembro. Não quero o desgosto de agosto e nem a lua de outubro. Insisto! Eu quero um luar cheio de setembro.
Deixei distante um abril despedaçado para ter um setembro completo, robusto, forte e enérgico. Um setembro simples, cândido, tenro e bondoso. Pode ser qualquer dia de setembro, 25, 26, 27 ou 28, em qualquer lua, mas que seja tua, assim verei na futura primavera luas então nunca vistas, luas em forma de rosas. Rosas da Estação Lua.
Sonho com as flores de setembro e com um cálice de vinho da colônia. Rubro como uma rosa, leve como a lua, fino como a cascata.
Sinto saudades da lua, da tua lua do teu setembro não vivido. Preciso de um setembro florido. Quero ver flores nesse mês distante, preciso ver-te bela, assanhada e enluarada. Quero ver a lua, a lua de setembro iluminando sua face morena. Quero rosar-me ao tê-la. Quero “setembrar-me” ao vê-la. Quero respirar o teu sereno junto com o aroma do setembro e encostar meu corpo no calor de tua pele morena. Talvez a lua seja pequena para momentos assim, ainda assim eu direi sim. Mas se o setembro for em vão e terminar sem mim, quero o reflexo da lua na noite de um rio. Aí sim, quero abraçar o reflexo da lua num rio de janeiro.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Avaliação de vinhos da colônia

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo

O encontro prometia ser uma grande festa italiana. Degustações de vinhos e janta típica da colônia era o cardápio naquela noite.
Estou absorto, sonhando com o bordô colonial e o caprichado risoto que em breve será servido. Repentinamente, sou convidado a fazer parte do corpo de jurados.
– O enólogo de Caxias do Sul, infelizmente, não pode vir e o senhor foi indicado para substituí-lo – comunica-me o organizador da festa.
– Eu?...
– Agradecendo a colaboração dos degustadores, gostaríamos de dar início a esta festa, esclarecendo que a avaliação dos vinhos é feita, em uma tabela, atribuindo-se notas de zero a dez para três itens, quais sejam: cor, aroma e sabor.
Uma senhorita nos serve o primeiro de uma série de doze vinhos brancos.
Avaliamos. Cor: 7. Rodo lentamente o cálice. Aroma: 8. Enfim, provo-o. Sabor: 8. Total da nota: 23 pontos.
Assim, sucessivamente, o mestre de cerimônias vai anunciando os vinhos a serem degustados e julgados, devidamente acompanhados com queijos, pãezinhos e uma providencial água mineral.
– Será apreciado agora o vinho de número 13. O primeiro tinto desta fria, mas aconchegante noite – anuncia o chefe do cerimonial.
Após uma breve avaliação visual atribuo nota 7 para o item cor, 7 para o aroma e 8 para o sabor. Total da avaliação: 22 pontos.
– Avaliaremos vinte e cinco tintos, todos produzidos por famílias de produtores da região. Passaremos a apreciação do vigésimo nono vinho.
Os cinco degustadores, simultaneamente, rodam os cálices e o tinto libera seus aromas e em seguida aveluda o paladar dos respeitáveis neófitos enófilos. Devido ao número excessivo de doses degustadas, é perceptível uma agradável descontração entre os membros da comissão julgadora.
– Muito bom. Cor: 8. Aroma: 9. Sabor: 8. Total da nota...27 pontos.
Desconfio da minha soma e refaço a conta. 8 + 9 + 8= 25. Total: 25 pontos. Assim fica mais condizente com a verdade matemática.
– Muito bem, senhoras e senhores, o jantar está pronto e será servido tão logo terminemos esta degustação. Imediatamente passaremos a análise do vinho de número 35. Antepenúltimo tinto deste concurso do melhor vinho da região.
– Sérgio, tu que és professor de matemática, quanto é 8 + 9 + 7? Porque eu estou com a impressão que a nossa capacidade de fazermos cálculos está prejudicada.
– Hum... 8 + 9 + 7... 24. Se não me falha a memória.
– Finalmente, apreciaremos o vinho de número 37, o último, desta memorável festa e em quinze minutos estaremos divulgando e premiando os vencedores.
– Este tinto está me parecendo meio branco demais e extremamente azedo. Aliás, eu nunca tinha visto um tinto borbulhar. Muito estranho! – comento com o parceiro desta banca de degustação.
– Olha, não quero me intrometer na tua avaliação, mas tu estás degustando a água mineral.
– Ah... bom! Onde está o pratinho com os queijos?
Sorvo o último tinto e classifico-o com 28 pontos. Neste momento só tenho olhos em direção ao galeto assado, dourado e suculento sobre a mesa do bufete.

domingo, 28 de agosto de 2011

Colega Osama

Crônica publicada no jornal A Razão no dia 10.12.2001.

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo

A manchete do jornal dominical era contundente: “A primeira guerra do século 21”.
Apreensivo, começo a folhear o encarte. Em instantes deparo-me com um breve currículo dos dois protagonistas desse confronto.
De um lado o poderoso W. Bush, 54 anos, professor de história, empresário do ramo petrolífero e apaixonado por beisebol. De outro, Osama Bin Laden, 44 anos, filho de magnata e engenheiro civil.
Inacreditável, mas Osama Bin Laden é engenheiro civil.
No curso de engenharia estudamos cinco longos anos. Aprendemos a planejar e executar vários tipos de obras. Nos debruçamos sobre as pranchetas, por horas a fio, para projetarmos unidades habitacionais que ofereçam conforto, segurança e tranquilidade às pessoas.
É com enorme satisfação e realização pessoal que vemos uma obra concluída. Edifícios, como o World Trade Center, são considerados obras de arte no meio acadêmico. Portanto, inimaginável a sua destruição.
Neste ínterim transporto-me para o início da década de 80, numa aula de Construção Civil II. Lá do fundo da memória veio em minha mente a imagem de um aluno quieto, simpático, magro e extremamente educado. Usava um turbante, tinha uma barba preta e fina. Eu sempre achei aquele hondurenho meio estranho, mas a lembrança do frondoso turbante aguçou minhas dúvidas sobre a nacionalidade daquele sujeito. A fisionomia de Osama na capa do jornal era fiel com a do colega gravada em minha memória.
Passados vinte anos, uma barba um pouco grisalha e estava ali, nitidamente diante de meus olhos, nas reportagens acerca do atentado, a imagem do colega do curso de engenharia.
Tremo e meu coração acelera. – Fui colega de um terrorista!
Permaneci com aquela incerteza por vários dias. A Barba. O turbante. O nome, realmente, eu não lembrava, mas a sonoridade de “Osama” era familiar.
Em um ensolarado sábado, na movimentada manhã do calçadão da Bozano, encontrei outro colega de curso. Com uma certa afobação sobre quem eu supunha ser Bin Laden, expliquei-lhe minhas conjecturas.
Ele foi taxativo.
– Não. Deixa de paranoia. Aquele colega estrangeiro não era hondurenho, muito menos saudita, ele era argentino. Não usava turbante e sim uma boina preta. Tinha uma barba volumosa, neste ponto tua memória não falhou. Finalmente, o nome do simpático castelhano não era Osama, ele se chamava Ernesto.
– Che Guevara!
Saio a passo largo pelo calçadão afora e deixo meu colega estupefato, boquiaberto, enquanto uma roda de capoeira se formava em frente à Caixa e um artista popular pichava cascatas em folhas de eucatex.

sábado, 20 de agosto de 2011

Às prévias, companheiros!

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter@athosronaldo

Eu sou um defensor das prévias. Acho que em uma disputa política dessas – de ideias – o partido cresce. Concretiza propostas. Consolida a militância. Pluraliza o contraditório.
As propostas discutidas em umas prévias afloram e evidenciam a vocação partidária. Assim, construímos o partido que queremos. Numas prévias discutimos à exaustão e os filiados tornam-se partícipes do processo de elaboração de um projeto a ser oferecido à sociedade e as demais forças políticas que, provavelmente, comporão uma aliança. Nos encontros os partidários discutem os acertos e erros de outras empreitadas, que é uma avaliação necessária. Nas prévias discutimos ideologia – coisa meio fora de moda nos dias atuais –, o partido cresce e se mobiliza e radicalizamos a democracia.
Nas prévias o partido e os partidários amadurecem no fazer político. As prévias têm o poder de apaixonar. Nos apaixonamos pelas propostas, pelas candidaturas, pois temos consciência do que elas representam. Nos tornamos incorporados a uma saudável utopia. O candidato se expõe internamente para os filiados e fortalecemos como alternativa de governo e... poder.
Particularmente, acho uma chatice o consenso. Um candidato de consenso não tem sabor, não tem tempero. É insosso. O que é o consenso, se não um acordo de caciques ou cúpulas partidárias em uma reunião-almoço?
O mandachuva do partido indica, o presidente do partido diz sim, a executiva, amém – se o partido estiver no governo – o primeiro escalão do governo também diz sim, sim, e sim. Todos os demais Cargos de Confiança (cecezinhos, ceces e cecezões) concordam. O candidato ou a candidata dá uma repaginada na fachada, branqueia os dentes e ensaia sorrisos e temos o tão chamado consenso.
Quem está na extrema periferia das hostes partidárias, vai dizer o quê?
Mas percebendo esse momento e a possibilidade de prévias, sinto-me renovado. A minha adormecida veia política desperta. E fico com um pé no asfalto. Caso o consenso se concretize, tomo uma água de melissa, recolho-me a minha insignificância de militante inorgânico e às minhas maltraçadas linhas.
Às prévias, companheiros!

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Vereadores do Brasil, uni-vos!

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter@athosronaldo

O aumento do número de vereadores é uma discussão polêmica. Envolve interesses políticos, democracia representativa e verbas públicas.
As pessoas que defendem esse acréscimo pautam-se pela maior representatividade da sociedade, um incremento democrático no parlamento. Os contrários prendem-se ao fato de que mais vereadores, provavelmente, acarretarão mais despesas para o caixa das prefeituras. Especificamente em Santa Maria a Câmara de Vereadores devolve, anualmente, cerca de 1,5 milhões de reais para o Executivo. Com 21 vereadores haverá essa devolução? Fica a dúvida.
Os argumentos são plausíveis. Mas uma questão que se impõe nesse momento é o atual descrédito porque passa a classe política no Brasil. Diuturnamente vemos nos noticiários escândalos e desmandos políticos. A Polícia Federal e o Ministério Público nunca trabalharam tanto como nos últimos anos. A presidente Dilma ganhou pontos com a população ao promover uma “faxina” no Ministério dos Transportes. Três ministros já saíram do governo porque havia indícios de malversação de verbas. O povo não suporta mais tanta impunidade e anseia pela punição aos corruptos.
Qualquer enquete que for feita terá como resposta uma expressiva contrariedade ao aumento do número de vagas nos legislativos municipais. Não é uma questão de cercear a democracia ou desejo inconsciente pelo autoritarismo e, sim, de descrença nos políticos. Há uma crise de representatividade que se arrasta por anos e que não será resolvida com mais vereadores. Salvaguardando os honestos e trabalhadores – que honram o voto recebido –, o que se sobressai são, justamente, os maus parlamentares. Com mais vereadores, com o atual espectro político, o descrédito tende a se agravar.
Esse momento não é propício para essa demanda do legislativo. Soa como um deboche. Quanto mais a população clama por segurança, saúde e educação, eles – os políticos – querem mais “vaguinhas” nas câmaras municipais. Os vereadores precisam arregaçar as mangas e colocar o pé no barro. E mostrar serviço.
Antes de discutir o aumento do número de vereadores país afora, deveria ser discutida uma reforma política séria que sinalizasse para o povo uma maior credibilidade no parlamento.
Esse incremento de vagas, por ser um assunto extremamente polêmico, deveria ser decidido com uma consulta – plebiscito – à população. Por que, apenas, quatorze pessoas tem o poder dessa decisão? Afinal, em Santa Maria, por exemplo, somos quase 200 mil eleitores. E são esses eleitores que deveriam decidir o tamanho de sua representação.
Parodiando Marx: vereadores do Brasil, uni-vos! A causa é justa e o bom debate deve ser profícuo e democrático com a sociedade.

domingo, 14 de agosto de 2011

O Payador no banho

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

O dia tinha sido tranquilo e proveitoso, eu estava de bem com a vida. Ao chegar em casa, antes do banho reconfortante, preparei um chimarrão com erva buena da Palmeira, para saborear à sombra da corticeira. A água estava morna e o banho extremamente agradável. Não é do meu feitio cantarolar embaixo do chuveiro, mas naquela oportunidade, veio em minha mente uns versos antigos do saudoso Jayme Caetano Braun. Comecei a declamar “O Bochincho”.

“A um bochincho certa feita
fui chegando de curioso
que o vício é que nem sarnoso...”

A payada rolou solta dentro do box, no refrescante ambiente azulejado do banheiro. A água morna escorria leve e a espuma branca, suave. Os versos brotavam de minha alma gaudéria como se o próprio Jayme fosse o payador. O recinto era uma excelente caixa de ressonância para uma voz barítona desafinada de um incipiente cantador.

“E foi ele que se veio
pois era dele a pinguancha
bufando e abrindo cancha...”

Nunca fui chegado a arte da declamação, mas aquele dia a inspiração estava do meu lado, enquanto o chuveiro jorrava as águas da nossa gloriosa Corsan, a garganta soltava cada vez mais eloquente os versos do velho maragato. O pequeno quadrilátero do box foi o palco de tamanha ousadia declamatória, um verdadeiro desrespeito com o mito da payada gaúcha.
Com uma convicção pampeana, recitava com todas as forças dos pulmões...

“E a china eu nunca mais vi
no meu gauderiar andejo
somente em sonhos a vejo...”

De repente minha companheira entra no recinto para escovar os cabelos e a indagação foi peremptória e incisiva, com uma dramaticidade alarmante.
– Quem é esta china? E tu somente em sonhos a vê? Me explica melhor este negócio? Tu andas sonhando como uma china? Era só o que me faltava!
Abro a porta do box e a vejo com as mãos na cintura, batendo com o pé no chão.
– Calma aí, não é bem o que tu estás pensando! Eu posso explicar.
Todo molhado e com a cabeça espumando de xampu, foi constrangedor afirmar que a china não era minha e sim sonhos do velho Jayme.
– Tá bom, agora a culpa é do Jayme.
– O maragato! Aquele da Tertúlia. Lembra?
Observando o instigante olhar desconfiado e o pé nervoso no chão, busquei nos versos de Gildo de Freitas uma tentativa para amenizar ou resolver definitivamente aquela embaraçosa situação.

“Eu reconheço a minha grossura...”

E encerrei o assunto.
– O chimarrão está pronto!

sábado, 13 de agosto de 2011

Última payada

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

O chimarrão que o maragato
Cevava na cuia morena
Descansando as chilenas
Pra sorver o verde regato
Que veio do tosco do mato
Mateando quieto e despacito
Com o olhar no infinito
Nos causos do seu silêncio
Manchou com erva o lenço
E chimarreou com seu piazito

E o guri cresceu assim
No gosto pelo chimarrão
Pra quem nasceu neste chão
Cevando mateadas em mim
Em largas proseadas sem fim
Nas vastas tardes da pampa
Quando o quero-quero canta
Na calmaria da terra gaúcha
Com a cuia feito garrucha
Identidade guapa que encanta

Quando o “Velho” anoiteceu
Num mês de maio fatal
Deixou de lado o buçal
Fez de conta que esqueceu
Todas as lidas que viveu
Com a cuia, bomba e sovéu
Cevou um mate com mel
E em silêncio foi embora
Batendo esporas na aurora
Em algum rincão do céu

Herança: a velha bomba
De alpaca e ouro folhada
Ficou um taura na invernada
Num dedilhar de milonga
Na tarde cada vez mais longa
Daquele mesmo domingo
Que cevei um mate antigo
E sorvi a Última Payada
Naquela bomba de alpaca
Que sempre carrego comigo

domingo, 31 de julho de 2011

Um soco no ar

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com@athosronaldo

O gol é a máxima emoção do futebol. Quarenta mil pessoas em um estádio só têm um pensamento: ver a bola balançar a rede. E as comemorações tornam-se marcas dos goleadores.
Um soco no ar foi a marca registrada de Pelé na copa de 70. Gestos como se estivesse nanando uma criança foi a de Bebeto na copa de 94. Coraçõezinhos para a amada do momento. Juras de amor diante da câmara. Bigode para homenagear o avô. Na maioria das vezes usa-se a criatividade e o humor.
Leandro Damião, num jogo do Gauchão, contou nos dedos até oito para tocar uma flauta pelo tempo extra a favor do Grêmio na final da Taça Piratini. A resposta veio no jogo seguinte com os jogadores do coirmão comemorando à Kidiaba no jogo em que o Todo Poderoso Mazembe desclassificou o Inter do mundial interclubes. Kidiaba não fez gols, mas festejava de uma forma muito estranha, convenhamos.
No entanto, há duas situações em que os jogadores – verdadeiros profissionais da bola – não comemoram o gol.
A primeira é quando um atleta enfrenta seu ex-clube. O time que o projetou para o mundo do futebol. O clube dos primeiros fundamentos e possivelmente sua paixão futebolística. Então, se o craque marcar um gol ele não comemora. Em respeito, pega a bola do fundo da rede e recoloca no centro do campo. É uma espécie de fair play com seu passado. Nesse caso o atleta tem que estar comprometido com sua história, com as raízes do clube. O caso mais recente aconteceu na Copa Audi na Alemanha. Alexandre Pato não comemorou o gol que fez no Internacional.
Infelizmente, no último jogo entre Flamengo e Grêmio o Ronaldo Gaúcho não teve essa perspicácia, essa grandeza com o clube que o projetou. Seria o momento de se redimir com o torcedor tricolor, mas a emoção foi mais forte e o sorriso brilhou na face do craque. Mas o Ronaldinho já está bem adaptado à malandragem carioca. O R10, definitivamente, é persona non grata no Olímpico. Ele deve estar “muito feliz”.
A segunda situação em que um jogador não comemora o gol é quando acontece o dito gol de honra. Alguém comemoraria com um salto e um soco no ar se estivesse tomado sete a zero? Acho que não. Claro, o Ronaldinho Gaúcho é um caso particular.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Hipopotomonstrosesquipedaliofobia

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo

O monstruoso vocábulo hipopotomonstrosesquipedaliofobia define o medo que as pessoas têm de palavras grandes. Ironicamente, a própria palavra que exprime essa fobia é assustadora.
É possível que seja a palavra mais dialética da língua portuguesa, pois é, literalmente, o que ela expressa. Quem não tropeçará nas sílabas? Se não fosse pela fobia no final, teria tudo para ser nome de um remoto antepassado Neandertal.
Ouvi, pela primeira vez, numa reportagem sobre medos. E uma das fobias que me chamou atenção foi uma pessoa que disse ter medo de tartarugas. Medo de tartaruga? Se fosse fugir desse medo a pessoa teria receio de perder a corrida? Eu temo muito mais um leopardo, uma onça.
Se digitar fobia no Google aparecerá uma extensa relação das fobias no Wikipédia. Os mais variados e impensáveis medos. E isso nos faz refletir sobre o vasto mundo, ainda intransponível, que á a mente humana. Mas isso é tema para os psiquiatras. Prefiro refletir os meus medos, aliás, medo de espelho é eisoptrofobia ou catoptrofobia.
Carlos Marighela, entre uma guerrilha e um aparelho, pronunciou a frase “não tive tempo de ter medo”. Talvez seja essa uma maneira de não ter medo, a falta de tempo, mas se tiver medo do tempo você sofre de cronofobia.
Não imagino como seria uma pessoa acometida de afobia, que é o medo de falta de fobia. Se a pessoa é afóbica ela tem uma fobia, então, onde está a falta da fobia... é demais para a minha vã filosofia, e eu não sou filosofóbico.
Outra doença que achei estranha é a penterofobia – medo da sogra – que pelo andar da carruagem e relatos nas mesas de café deve ser uma pandemia.
Podemos afirmar que essas denominações das doenças não são nada poéticas. Experimente cantar a música “Medo de avião” do Belchior. “Foi por aerodromofobia que segurei pela primeira vez a tua mão”. Fica muito estranho.
No mundo do futebol guasca, volta e meia, um medo assola uma parcela dos gaúchos, a celsorothfobia. No entanto, não é uma doença fatal, no máximo causa uma segunda depressão. A celsorothfobia é um sintoma da rebaixamentofobia, essa, sim, mais grave.
Se é difícil e causa medo pronunciar hipopotomonstrosesquipedaliofobia experimente falar em alto e bom som pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico. Isso tudo para definir uma doença pulmonar aguda causada pela aspiração de cinzas vulcânicas. E pensar que há poucos dias essas cinzas vulcânicas andaram rondando o Rio Grande e eu achei que poderia causar, apenas, uma alergiazinha.
Eu não sei quais as minhas verdadeiras fobias, mas de literofobia e logofobia eu não devo sofrer, senão essa crônica não seria escrita.

sábado, 28 de maio de 2011

O funk de Dom Pedrito

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo

A pacata cidade de Dom Pedrito ganhou a mídia nacional por conta de um vídeo de funkeiros colocado na internet.
Tudo seria normal se os jovens não fossem recrutas fardados do Exército, o palco da dança uma sala da guarnição e a música o Hino Nacional.
A performance dos garotos de Dom Pedrito é engraçada, descolada da rigidez dos quartéis. A gurizada pampeana leva jeito no requebrado do funk. Convenhamos, se os milicos dançassem o “ai bota aqui o teu pezinho” não teria a mesma repercussão.
Evidente que os recrutas desrespeitaram um dos símbolos nacionais. E devem sofrer uma repreensão. Os militares, mais do que qualquer cidadão, devem ser exemplos no respeito aos símbolos pátrios. Mas entendo que, apenas, um puxão de orelhas fica de bom tamanho para repreender os assanhadinhos. Uma bela carraspana para punir o criativo “funk da farda”.
Penso que os gaúchos vão relevar o funk de Dom Pedrito, o bom-humor prevalecerá, mas eles que não inventem de fazer um funk com o Hino Rio-Grandense. Imagina os milicos cantando o “sirvam nossas façanhas” com aquele molejo todo. Aí nós viramos bicho com essa pouca vergonha.
Eu encaro o desempenho dos milicos como irreverência de jovens. Com um pouco de condescendência e esportividade o comandante resolve esse desacato. Um país em que os escândalos se sucedem sem perspectiva de punição, não há necessidade de ser severo no castigo aos recrutas. Nos últimos tempos tivemos notícias de mensalão, corrupção, toma-la-da-cá, propina e enriquecimento ilícito e ninguém, até o momento, foi parar na cadeia. Então, por que punir severamente a diversão dos soldadinhos numa dança de funk?
Devo confessar que não senti uma agressão ao símbolo e me diverti assistindo ao vídeo. Ou será que a performance da cantora Vanusa, na assembleia legislativa de São Paulo em 2009, também não foi um desrespeito? O jogador brasileiro do Barcelona que amarrou a bandeira do Brasil na cintura, após a conquista da Liga dos Campeões, também não foi uma afronta a um símbolo nacional?
Enfim, os soldadinhos – que não eram de chumbo – se divertiram além da conta e quiseram mostrar suas habilidades para o mundo sem medir as consequências.
Se formos punir, com o rigor da lei, quem desrespeita um dos símbolos nacionais, sugiro que elejamos a ética como um símbolo nacional. Quando a justiça for severa para quem desrespeita os valores éticos e republicanos, aí sim, poderemos punir rigorosamente os funkeiros de Dom Pedrito.

domingo, 24 de abril de 2011

Gre-Nal na Libertadores

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo

Um Gre-Nal, mesmo um despretensioso amistoso comemorativo ao dia do trabalho, mexe com o coração dos torcedores. Então, o que fará com as emoções dos gaúchos um Gre-Nal na Libertadores?
Há muito tempo, na década de 70, num jogo contra o Cruzeiro pelo brasileirão, o Internacional virou em três a dois nos minutos finais. Essa epopeia foi fatal para alguns torcedores. Teve gente que enfartou dentro do Beira-Rio.
Tenho um amigo gremista que não brinca com essas emoções, em dia de Gre-Nal ele sai com a família para passear nos distritos da cidade ou na quarta colônia. A aflição não permite sequer ficar em casa. Esse fanático torcedor busca no isolamento a solução contra a ansiedade.
Os últimos cinco minutos da decisão da Libertadores de 2006 fazem parte da minha mais esfuziante experiência no aspecto emocional. E a taquicardia mais inesquecível. Foram terríveis, aqueles segundos se arrastavam como tartarugas no mostrador da televisão. O coração vai a mil, a gente perde o controle das ações e despeja uma dose de vodca goela abaixo.
– Te acalma senão tu vai ter um troço – foi o que ouvi de minha mulher. Mas pouco adiantou. As atenções estavam no apito do árbitro. O batimento cardíaco só volta ao normal após o encerramento da partida. Aí tudo é festa na Presidente.
Como estamos em um momento histórico de escassas referências políticas – aliás, o descrédito é bem maior do que as referências – as atenções voltam-se para o futebol, assim, nossos ídolos são boleiros, que na maioria das vezes são, apenas, craques de futebol. Esses “heróis” têm pouco a oferecer. Nada além do que chutar uma bola em direção ao gol ou uma firula desconcertante sobre o adversário. Mas estão mitificados nos estandartes das torcidas.
O Rio Grande do Sul tem um histórico de dualismo político/futebolístico, um resultado adverso, num jogo dessa magnitude, pode gerar algumas reações exacerbadas por parte dos torcedores. Um Gre-Nal com esse grau de importância é um marco histórico equivalente ao 20 de setembro de 1835. Nesse dia o Rio Grande vai parar.
O confronto com essa envergadura – por se tratar de uma das maiores rivalidades do futebol – colocará o Rio Grande na boca do mundo e o coração na boca dos gaúchos. E velas nos altares de tudo que é santo.
Como somos todos herdeiros dos ideais de liberdade, igualdade e humanidade, estaremos prontos para mais essa peleia. Não fugiremos a esse encontro marcado com a mesma gana pampiana de Honório Lemes, Zeca Neto e tantos outros valentes caudilhos.
Se o Gre-Nal da Libertadores estiver no horizonte de um sol de maio incandescente, estarei calmamente mateando, com as velhas e inseparáveis alpargatas coloradas. Logicamente, com uma caneca de água de melissa ao alcance da mão para acalentar esse coração maragato.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Milongueiro


Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Pajadores


As décimas de improviso são a genuína alma gaúcha e gaucha que unem os cantadores da pampa. E um dedilhar de milonga nos coloca em profunda reflexão diante da cuia do chimarrão ou do braseiro nos cafundós de uma perdida querência. Os payadores cantam a solidão e antigos amores abraçados em sua viola no silêncio dos entardeceres ou nas tertúlias num galpão. As payadas e as milongas tocam a nossa alma e acalentam nossos anseios.

O livro Milongueiro pretende reverenciar essa terra meridional que nos causa adoração e nos provoca reminiscências. Os contos desse livro mostram o jeito rude, simples e, por vezes, inquieto e contraditório do “milongueiro” que temos em cada um de nós. São contos escritos a oito mãos – como tranças de oito tentos –, no embalo das cordas de uma guitarra pampeana e localizados entre os quatro pontos cardeais. Escritos por quatro gaúchos de quatro recantos desse estado – Santiago do Boqueirão, Santa Maria, Itaqui e Pelotas –, todos radicados e estabelecidos na velha Santa Maria da Boca do Monte.

Todos gaúchos dos quatro costados, mas cientes de seus limites na arte de escrever sobre nossos costumes. São contos gaúchos e não, necessariamente, gauchescos, mas construídos sob inspiração dos pagos desse Rio Grande de São Pedro. Nesse Milongueiro nos propomos contar um pouco das coisas do Rio Grande: suas idiossincrasias, lamentos, sonhos, a solidão do campo, as eternas desavenças políticas – as escaramuças entre chimangos e maragatos – e, principalmente, as notas de uma evocativa milonga em noites de lua cheia.

Compartilhamos cada capítulo dos contos como se estivéssemos numa roda de chimarrão. Cada um servindo o mate para o parceiro. E sentimos que essa empreitada foi prazerosa. Assim, os contos foram brotando dentro dos acordes imaginários de um milongueiro em uma longínqua tarde de estio.

Então, se achegue nessas páginas, ceve um mate, puxe um banco e vá sentando...