Faz algumas
semanas que cruzo por ela. A guria está sempre na mesma esquina, embelezando as
manhãs de meu trajeto. Um deslumbramento foi o que senti desde a primeira vez
que a vi. Surpreendeu-me os inacreditáveis olhos a flertar-me. Uma beldade
daquelas dando a maior bola. Até imaginei que não era comigo. Afinal, eu já
ando meu passadinho e a formosura da esquina se aproximava de um monumento à Afrodite.
Mas ela cravou os olhos em
mim. Aquela atitude inesperada, para um pacato e recluso
cidadão, me desconcertou e me desconcentrou. Por pouco não subi com o carro em
cima da calçada de uma imobiliária.
Era uma guria daquelas
que estão nas propagandas de carros, cervejas e nos sonhos de muito marmanjo. Nesse
primeiro dia tudo aconteceu tão rápido que não tive tempo de pensar e segui em frente. A , além do mais,
estava atrasado para o trabalho. Mas o olhar incisivo eu carreguei por todo o
dia. Era impossível esquecer a imagem da moça loira na esquina da André
Marques.
Para minha
surpresa, nos dias seguintes, a mesma loira, a mesma esquina e os mesmos olhos
de instigante contemplação – não sei o porquê, mas lembrei de uma antiga canção
interpretada por Ronnie Von “a mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores, o
mesmo jardim” –, da loira em frente ao Hotel Morotin. Toda vez que dobrava, logo
após a abertura do sinal, dava de cara com a loira. Comecei achar que eu era o
cara. E ela sempre a me observar, linda, exuberante, uma rainha do Nilo. Uma
deusa das águas do Arroio Itaimbé. Eu me sentia um Morotin diante de Imembui.
Um dia – numa
linda manhã ensolarada de outono – as belas e bem torneadas pernas da guria me
distraem e quase atropelei um ex-vereador que atravessa a rua rumo à prefeitura.
O ex-edil me disse todos os palavrões que outrora falava da tribuna. Ela fez
que nem era com ela. Continuou ali, impávida. Colossal. Sem esboçar um sorriso
sequer. Com o mesmo olhar audacioso e impactante. Nem piscava. Enquanto ouvia
os impropérios do politico, meu pensamento estava nas lindas pernas da loira.
Eu quase
atropelei um vivente e ela nem esboça uma atitude. Fica parada, loiríssima,
cabelos lisos e olhar incisivo. E aquelas lindas e bronzeadas pernas de parar e
causar acidentes no trânsito.
Comecei a
imaginar mil possibilidades. Um jantar no Iguarias... um passeio na Quarta
Colônia... um cineminha. Mas cheguei a uma única e definitiva conclusão: vou
mudar de trajeto para o trabalho. E aguardar que a “Morena Rosa” tire a loira
do outdoor, antes que eu atropele alguém mais ilustre que um ex-vereador ou
avance o sinal vermelho.