quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Zé Alcides e a exumação de Jango



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Numa carpeta nas proximidades do cemitério Jardim da Paz em São Borja, Zé Alcides – chimango e trabalhista dos quatro costados – perdeu todos os trocados que tinha, bebeu todas que podia, xingou Deus e todo mundo e saiu devendo até os cornos para o bolicheiro e, trocando as patas, enveredou no rumo do campo santo pelo meio da rua. Noite alta e lua clara.
Não era lá muito cristão, mas resolveu que daria uma passadinha no cemitério para rezar um Pai Nosso para Jango e para o Brizola. E, de lambuja, uma Ave Maria para o Rillo. Sabia que o cemitério estaria fechado, mas iria rezar pelo lado de fora, pois os túmulos de Jango, Brizola e Rillo eram próximos ao muro. E pela grade tinha uma boa visualização.  
Balbuciava a música “Recuerdos da 28”.
“Entro na sala no meio da confusão, fico meio atarantado que nem cusco em procissão...”
– Meu Deus do céu o que está havendo no cemitério? – falou ao ver uma intensa movimentação de gente, luzes, holofotes, microfones e carros na rua.
Um intenso movimento no interior do cemitério. Deu uma espiada pela grade do muro e viu o túmulo do Jango todo encoberto por uma lona.
– Ala pucha! O que fazem esse mundaréu de gente aqui a essa hora da madrugada. De onde vieram esses astronautas? Bah! Isso é uma heresia com um cristão que está descansando em paz – comentou o incrédulo borracho.
Zé Alcides nunca havia presenciado uma exumação, aliás, São Borja e todas as Missões nunca haviam presenciado uma exumação. E nem sabiam o que era, mas a turma dos curiosos e palpiteiros era grande.  
– Exuma... o quê? – foi a pergunta que Zé Alcides fez a um conhecido um pouco menos enxaguado, que também estava junto a gradil do muro.
– Eles vão levar o corpo do Jango, ou o que sobrou dele, para Brasília. Não fala pra ninguém, mas eu acho que eles se enganaram e estão levando o corpo do Brizola.
– Bem capaz!
Bueno, o fato é que Zé Alcides não entedia bem o porquê de tudo aquilo após tanto tempo depois da morte. E também não fazia muita questão de entender, seu estado alcoólico atrapalhava o raciocínio. Mas ficou por ali, nas proximidades da entrada do cemitério aguçando a curiosidade.
Logo em seguida sai o esquife de Jango coberto com a bandeira do Brasil. Zé Alcides emocionado vai às lágrimas e empina o que havia sobrado de cachaça numa garrafa de plástico. Em poucos minutos todo o burburinho se desfaz. E volta a reinar a paz no Jardim da Paz. Todos descansam em silêncio. Zé Alcides fica escorado num poste de luz. Um cachorro se aproxima. E como todo bêbado guasca puxa assunto com qualquer ser vivo, Zé Alcides começou a prosear com o cusco.
– Tu não vai imaginar o sonho que tive... levaram o Jango daqui. Voltou para Brasília. Tinha até uns caras de outro mundo... Que sonho esquisito, preciso parar de beber...
O cãozinho deu uns latidos por conta de outros latidos vindos da redondeza e Zé Alcides espiou mais uma vez para o interior do cemitério. Se convencendo de que estava tudo em paz, fez um sinal da cruz diante do túmulo de Silva Rillo e se foi trocando as patas noite adentro.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Os Guasca Blocs



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Os Black Blocs desafiam a polícia, governos, mídia tradicional e o senso comum, pois fazem das manifestações um palco de enfrentamento contra a elite e o capitalismo. São ativistas que agridem o sistema.
Surgiram na Alemanha na década de 80 do século passado, organizavam manifestações contra a energia nuclear, nazistas e a guerra. Na América surgiu com os movimentos antiglobalização de Seatle nos Estados Unidos, através da música anarcopunk. São formados por pessoas com elevada consciência politica, sendo composto por anarquistas, feministas radicais e ambientalistas. Estão colocados radicalmente à extrema esquerda do espectro ideológico.  
Segundo Francis Dupuis-Déri, estudioso canadense dos Black Blocs, diz que a atuação se faz porque é preciso perturbar e reagir quando a polícia ataca o povo e que as pessoas estão revoltadas e consideram que não basta se manifestar pacificamente. Essa é a síntese do movimento.
Aqui começa a história em que o cientista político do Canadá desconhece, ou seja, os Black Blocs são inspirados nos Guasca Blocs. Movimento contra a ordem vigente que surgiu em meados do século XIX no sul do Brasil, uma facção ultrarradical dentro da Revolução Farroupilha, eram caudilhos que davam um boi para não entrar numa briga e uma boiada para não sair. Enquanto os estancieiros lutavam contra o Império por menos impostos, os Guasca Blocs lutavam por liberdade. Viviam com o vento na cara. Consta que na Traição de Porongos – massacre quase sempre esquecido pelos historiadores da elite – não há participação de nenhum Guasca Blocs. Naquela época eram identificados por toucas ou lenços vermelhos, a indumentária preta surgiu bem depois.
Recentemente um historiador da pampa gaúcha descobriu alguns nomes dos lanceiros negros assassinados naquela traição. São eles: Amarildo Costa, Amarildo Cunha, Amarildo Lopes, Amarildo Ferreira, Amarildo Bastos, Amarildo Oliveira, Amarildo Gonçalves, Amarildo Prado, Amarildo Müller, Amarildo Fonseca, Amarildo Pereira e Amarildo Ribeiro, mas isso não tem a menor importância, o importante é idolatrar os traidores, assim esse episódio está esquecido e pouco divulgado há mais de 170 anos.
Posteriormente os Guasca Blocs apareceram – com reduzida atuação – nas revoltas de 1893, 1923 e 1924, mas em 1930 foram eles que amarraram os cavalos no obelisco no Rio de Janeiro. Após o golpe de 64 os Guasca Blocs fizeram parte da guerrilha contra a ditadura, atuaram no Araguaia, no congresso da UNE, assaltaram bancos e ricaços e sequestraram um embaixador para ajudar a financiar a luta armada e libertar presos políticos. Os Guasca Blocs tinham sede de liberdade. Por volta dos anos 2000 uma nova geração de Guasca Blocs Light destruiu o relógio dos 500 anos em Porto Alegre. Também foi muito noticiado pela imprensa local aquele vandalismo praticado por Guasca Blocs do Coração do Rio Grande. Os Guascas Blocs sempre estiveram numa luta radical contra o sistema vigente. Hoje, alguns ex-Guasca Blocs estão nos altos escalões do sistema e reprimem os movimentos sociais e criminalizam as manifestações. Porque é mais importante e fundamental garantir a integridade do patrimônio da classe dirigente.
A partir de junho de 2013 se espalharam por todo o país desconsiderando o que está posto e radicalizando suas ações – no melhor estilo “que se vajan todos” ocorrido na Argentina – e, novamente, atuaram contra o capital depredando agências bancárias e concessionárias de carros importados, símbolos desse sistema.
Decididamente, esses Guasca Blocs são uns vândalos!